12 de mar. de 2024

Dois Lados

"Dois Lados

Ando por essa ponte, tão alta e tão estreita que balança para a direita, balança para a esquerda, estremece, ameaça mas não cai nem tão pouco se equilibra.

Essa ponte que me divide, que me corta e me separa pelo meio. Uma metade terra, a outra metade ar. Uma metade terrena, a outra metade luz. E o coração por inteiro em cada uma das metades.

O amor do espírito e o amor da luz. E não, não me digam que se trata do mesmo amor. Pois não é. Não é e nem é ao menos parecido. São mais opostos do que semelhantes.

Em comum muitas coisas, desde que não se trate de escolhas – apenas de sentimento.

Pois em comum está o desejo do bem, a intenção de saber o coração amado, feliz. E apenas isso, pois de resto se conflitam, se atormentam. O amor do espírito gosta da proximidade, do abrigo, do conforto na alma. O amor da luz não vê distância, nem sequer se importa com a existência ou ausência de tempo e espaço. Nem mesmo considera essas coisas – elas não existem. O amor do espírito busca, procura crescer, amadurecer, auxiliar. É ativo e entusiasta. O amor da luz é passivo, transcende por osmose, é como a luz refletida por um lago – o movimento pode ou não existir nas águas, a luminosidade não se altera.

E essa ponte, essa trilha é estreita, é de extremos, é incerta. Não há desvio errado ou ruim, não há escolha mal feita. Mas há escolha.

E as escolhas envolvem ganhos, envolvem perdas. E envolve amor. Tudo envolve amor.
Qual é o amor mais forte? Qual é o amor mais certo?

Mas há talvez o amor mais desapegado, o mais calmo, o mais humilde. O amor da compreensão e abnegação, o amor imutável, inatingível, a chama que arde para sempre.
Talvez nem seja nada disso. Talvez não existam diferentes amores, talvez a única coisa que os diferencie seja o foco – e o sentimento seja o mesmo.

Pode sim haver o foco talvez no espírito, talvez na luz, talvez num anseio ou em um desejo. Mas quem sabe sejam apenas os focos...

Focar em uma paixão, focar em um trabalho, em uma ambição... o foco, embora o sentimento seja o mesmo. O puro, o poderoso amor.

E nossas histórias, nossas experiências, nossos medos e nossas dores sejam a lente de nossos focos. E não poderão haver focos errados, mas sim em seu lugar mágoas profundas... como alterar a lente para obter diferente imagem? A imagem não muda... mudam os nossos olhos.

E então, no fundo de tudo, o amor. Pura e unicamente o amor. O amor que desfocado causa as guerras, as ofensas, as injúrias. As traições, as violências, as torturas. Tudo apenas amor. Amor para defender a ferida inflamada, para proteger as esperanças dilaceradas e as perdas ao menos suportáveis. As eternas procuras por justificativas, desculpas para agir conforme o foco do nosso amor...

E assim minha ponte desaba, não oscila, experimenta balançar de forma mais lenta e contida, experimentando o ligeiro movimento. Estremece e para, avaliando se afinal deixaram de existir as metades esquerda e direita. Parece que fundiram-se, encontraram a forma de as unir.

Podemos nos tornar caleidoscópios, cristais... reflexos de um único sentimento capaz de transbordar em todas as direções."

12/03/2014

11 de mar. de 2024

Bocadinho


Vamos então nos sentar aqui por um instante,

E deixar que este instante dure por ano.


Deixar para trás por um tempo as nossas incertezas

Deixar para trás por um tempo as nossas histórias.


Aqui, sentados, és tudo, és meu amante,

És as certezas sem qualquer chance de engano.

E tudo bem, ser for apenas por este instante.


Vamos nos sentar aqui por um tempinho,

Deixa que o tempo passe até sermos velhos,

Quem sabe, se neste pequeno bocadinho

É que se realizam os grandes mistérios.


Vamos aproveitar, ouvir o mar e sentir o vento

Abraçar a vida, viver o momento.


Vem, sentemos aqui por um instante...

E deixemos que instante dure por todo tempo.


Vamos nos sentar aqui um bocadinho...


...

6 de mar. de 2024

Altos e baixos, ir e vir, assim ou assado?

Talvez eu queira tanto ver (ou ser, ou estar) alí à frente, que atropelo até (e inclusive) a mim mesma. E o que eu realmente penso, e o que eu realmente sinto. Por querer estar ali à frente.

Então eu vou, corro com os braços estendidos para a frente para agarrar tudo, sem olhar se calcei os sapatos, ou se estou a correr pelo chão ou sobre brasas acesas. Ou espinhos. Ou cacos de vidro. Eu apenas vou.

E depois, por algum milagre ou generosidade ou alguma condescendência do Universo qualquer, uma pequena pausa acontece, ligeira. Mas, suficiente para me permitir olhar. E aí não sei se me zango por ter visto, ou se agradeço pela oportunidade de ver.

Será que eu sinto realmente que quero ir, ou apenas vou? Será que eu quero realmente agarrar o que quer que seja, ou apenas agarro? Talvez ali à frente não seja bem lá exactamente onde eu queria estar... A ilusão de estar ali parecia tão mais interessante do que a real possibilidade de lá estar...

Mas então, e agora? Diminuo o ritmo devagar até parar por completo, o meu olhar fixo e embasbacado, a minha boca ligeiramente aberta em surpresa, feito idiota, a olhar para mim mesma e para os meus braços tontos e ainda estendidos à minha frente tentando agora disfarçar nem sei como (espalmo as mãos? finjo acenar um adeus?), os meus pés descalços e a minha vergonha e constrangimento espalhados pelo ar e pela minha face vermelha...

Mas então, realmente, paro. E tento encarar a verdade das minhas voltas mentais e inconstâncias. Serão realmente minhas? Ou são os meus medos a falar e a gritar tão alto, que embotam os meus sentidos? O querer ir não será o medo de estar parada a falar mais alto? O parar o passo, o disfarçar do movimento, não será o meu medo de cair a me sussurrar?

Quando já sei que parar é como morrer, que o estacionar é a antítese da vida e do crescimento, não é natural que eu estenda os braços para ir, seja onde para onde for, ainda que eu vá a correr contra um muro ou uma parede?

Quando já sei que caminhar ou correr implica inevitáveis tropeços e prováveis quedas, que qualquer movimento significa sempre e sem exceções possíveis obstáculos e ossos pqartidos, não é natural que venha algum medo me sussurrar aos ouvidos?

Medos não são um problema, só o são quando deixamos que falem mais alto.

Porque o movimento é sim necessário, embora não seja preciso correr sem joelheiras e nem capacete de encontro ao asfalto. Se não existem as joelheiras e o capacete, é ainda preferível o tombo à inércia. Não há evolução nem crescimento possível naquilo que não se move, que não arrisca, que não vive.

26 de fev. de 2024

мне нужно

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto. 

Acreditar não é o mesmo que tornar real?

Essa parte tão grande de mim... tão bonita em mim... precisa acreditar que nada é por acaso.

Acreditar que estamos cobertos por um maravilhoso véu feito de pura e translúcida seda, véu este bordado ao pormenor, com os mais sofisticados detalhes, com fios de ouro e cravejado pelos mais pequenos brilhantes, feitos dos mais puros diamantes, tão reluzentes e tão delicadamente esculpidos no véu que este, ao dançar com a mais leve das brisas, reflete todos os tons do arco íris ao seu redor, de uma forma ténue, subtil e a espalhar encanto e magia por toda sua volta.

E estamos nós cobertos por este véu, abençoados por ele, embora só agora, depois de tanto tempo, possamos adivinhá-lo. Não podemos, obviamente, vê-lo por tão subtil e ténue que é.

Essa parte minha, que sabe de maneira certa e segura de como o véu serviu como um fio que nos aproximou e colocou juntas as nossas mãos. O tempo que passou, ancorado pelo véu que com o seu esvoaçar leve e determinado nos aproximou de uma forma tão cheia de meandros, teceu curvas e reviravoltas, avanços e dificuldades, que fez nos encontrarmos e bordarmos pouco a pouco, ainda que com uma grande distância entre nós, uma amizade que foi desde o princípio presente e discreta, empática e cúmplice, enquanto vivíamos cada um a sua própria história e própria luta, desafios e descobertas.

Uma parte tão grande de mim precisa e quer tanto acreditar... que o véu trouxe o que desde sempre já existia.

Que me vias antes e lá atrás do jeito como me vês agora, e que soubeste desde sempre quem éramos um para o outro e assim, de uma forma descomunal por tamanha gentileza e cavalheirismo, conseguiste te fazer presente e ao mesmo tempo, esperar com tranquilidade e certeza.

Parte esta minha que sonha agora com os olhos abertos e que procura encontrar nas lembranças de anos atrás olhares e abraços, gestos de apoio e de carinho, atitudes e situações que comprovem o sonho que meus olhos abertos sonham, e encontra tantos! Encontra realmente! E esta parte minha abraça as lembranças, colocando-as ao colo e com o toque mais suave e mais doce de que minhas mãos são capazes, afaga estas memórias como se fossem o mais frágil e mais belo e puro dos recém-nascidos. Foram aqueles gestos assim, tão carregados de amor? Um amor que já sentias desde sempre e guardavas para mim?

E quantas vezes, quando o tempo passou e eu passei a ser apenas eu, senti afinal que talvez... talvez pudesse existir realmente ali alguma coisa, uma intenção, uma vontade! E a dúvida logo se seguia, não havia nada claro, não havia um avanço certeiro, havia doçura. Sempre houve. E amizade. E tantas dúvidas minhas...

Amizade que esteve ali, presente, sempre. E o véu que agora nos enlaça, não havia ainda nos abraçado... havia sido apenas tecido o bordado dedicado a me colocar na vida das pessoas que eram também próximas à você, e fio a fio, dar a força e a coragem para que assim chegasses mais perto de mim.

Esta parte tão grande e tão bonita de mim, que procura resgatar a pessoa que eu fui, quando acreditei que um véu como este poderia existir. Resgatar o sorriso que eu sentia me rasgar o rosto, e o brilho que eu sentia sair dos meus olhos. Resgatar as mãos frias e o estômago dançante, as pernas trêmulas e os pés decididos no caminho e na direção à seguir, tendo o futuro e a felicidade como certos.

Uma parte de mim precisa vestir este véu como quem veste a própria essência.

Mas... há uma parte de mim que não deixa.

A parte que antecipa a ilusão, e que vê uma realidade distinta, sem véu e sem tecidos bordados, sem magia e sem esperança. Porque eu sou feita de várias partes. Não somos todos?

E a parte que não ousa sonhar, que crava os pés no chão com tamanha força e determinação que sente os dedos afundarem na terra, não espera por nada. Aliás, espera. Espera pela desilusão, espera pela mágoa, para depois dizer "afinal eu era a parte que tinha razão".

Uma parte que procura pela falha em cada detalhe, que busca, feito um psicótico errante, desesperadamente por algum ato falho, pela palavra não dita e a toma logo como segredo obscuro, busca sôfrego e sedento pela mentira e enganação, e através da imaginação (tão fértil quanto pode ser a mente insana e alucinada), faz a sabotagem dos próprios anseios e desejos e oprime de forma tão violenta e bruta a vontade própria, que corta na própria carne os sentimentos cultivados até sangrar para o chão todo o afecto e todo o amor que desejava ter guardado.

Ai, essa parte de mim!

Parte venenosa, pontiaguda, fria e desconfiada, que se coloca na defensiva com os pêlos arrepiados e as garras de fora, inclina para baixo o pescoço, eleva os olhos fixos e fumegantes para cima, aguça os ouvidos e tenciona cada músculo e cada nervo do corpo, à espera do tão esperado desfecho, de quando cairão os sonhos por terra e as ilusões decapitadas pelo chão.

Treme de antecipação, ansiedade e gozo. Mas não, não há o que temer. Porque é a antecipação da vitória o que se antecipa, e não nenhum tipo de ataque. A tensão pressionada nas vértebras e nas articulações não pretende avançar, porque não crê sequer que vale a pena! Já não era desde sempre sabido que seria este o desfecho? Já não era então um facto de que os sonhos e esperanças todas terminariam feito cacos de vidros estilhaçados pelo chão? Atacar o quê, se em momento algum esta parte de mim acreditou ou foi enganada sequer?

Não... apenas relaxa-se a tensão, e com um sorriso macabro de miséria e vazio, esta parte de mim afirma-se com razão. "Vês? Eu já sabia. Bem feita. Eu avisei."...

E o que seria mais mordaz e mais fatal do que um ataque assim? Palavras de sabedoria e de certeza que perfuram mais que qualquer golpe, ataque, ferocidade ou mordida. Mata um bocado mais a parte bonita de mim. Mata a esperança e mata o sonho, mata a fé e mata o encanto, mata a força e mata a vida. Deixa no espaço em que havia o véu delicado, mágico e tão bonito, o escuro e uma casa vazia dentro de mim.

Há uma parte de mim, pode se dizer que uma parte importante de mim, precisa disto. Precisa acreditar nisto... 

Acreditar não é o mesmo que tornar real? Qualquer parte de mim?




22 de fev. de 2024

Para o Dani

Fazer 17 não é pouca coisa, ao contrário!
Fazer 17 é muito mais do que fazer 25, do que fazer 30 ou fazer 40.
Fazer 17 é quase mais que qualquer outro número! Aos 17 você tem o mundo inteiro e a sua própria vida inteirinha pela frente, sabendo muito mais e podendo fazer muito mais do que você podia fazer e saber aos 16, aos 15 ou aos 14 - mas ainda sem todas as responsabilidades e consequências que existem quando você faz 18.
Aos 17 todos os seus planos e todos os seus sonhos são possíveis, e não surgiram pedras nem muros altos demais no seu caminho - todas as escaladas e todas as caminhadas são possíveis.
E o que eu desejo para você, é que você tenha mesmo todos os sonhos do mundo, e que conquiste todos eles do jeito que só mesmo aos 17 anos é possível conquistar. Que você viva cada dia com o seu coração cheio de certezas, de confiança e de esperança, de amor e de paixão pela vida. Que você seja muito, muito, muito feliz em todos e em cada um dos dias dos seus 17!
Amo muito você!
Aproveita muito hoje e todos os dias!

21 de fev. de 2024

Verbos (02/06/2010- edit 21/02/24)

Eu amei. E odiei. Perdoei, esqueci. Adormeci, amorteci. E de novo sonhei, quando já não mais acreditava. E amei. E odiei. Perdoei, esqueci, amorteci, adormeci, sonhei, e de novo, acreditei.
E então amei. E esqueci. Perdoei, adormeci, odiei, amorteci, acreditei, sonhei.
E de novo, amorteci. E sonhei. E amei (era sonho?). Odiei. Adormeci. Acreditei... esqueci. Perdoei.
E uma vez mais, odiei. Perdoei, amorteci, esqueci, adormeci. Sonhei, acreditei. Amei... e então eu odiei. E esqueci. Perdoei (me à mim). Amorteci... e então eu sonhei. Acreditei. Amei. Morri.

13 de jan. de 2024

Comboio para Lisboa e o Ônibus para São Paulo

Parecem coisas tão distintas, quando são, em essência, coisas tão iguais.
Assim como foram os caminhos de ida, são os caminhos de volta - e vice-versa.
O ónibus para São Paulo tão familiar, e que tantas e tantas vezes usei... às vezes vindo de destinos diferentes e com diferentes frequências, outras vezes sempre pontual da mesma partida e a cada semana.
O comboio para Lisboa, fosse vindo de onde fosse, que sempre remetia ao pensamento e à reflexão, à esperança e ao refúgio.
E agora, tantos anos depois do último ónibus para São Paulo e do primeiro comboio para Lisboa sinto os caminhos se cruzarem, os meios de transporte se unificarem, e pela primeira vez em muito, muito, muito tempo, sinto que se transformam em um mesmo trajeto e um único destino - o meu.

14 de jul. de 2022

Paciência

Às vezes não sei interpretar tudo o que me cerca, ainda que sinta a constante necessidade da consciência sobre tudo.
E então aparece quem não pede nada, mas que também não fica à espera. Uma espécie de calma com firmeza, de deixar ver mas sem deixar nada solto demais ou ao acaso. É o que vejo, ou sou eu a interpretar aquilo que eu gostaria?
Gosto da calma. Da ausência da necessidade de ser o que for, da falta da expectativa e ao mesmo tempo da presença marcada, definida. Não parece haver dúvida, embora não exista qualquer certeza.
Como uma página em branco.
Um espaço para a criação... com paciência, de forma lenta e calma e tremenda firmeza na escrita.
Tudo em aberto, tudo em branco.
Não sei nada... mas acho que gosto.

2 de jul. de 2022

Naquele instante

Agora a tentar racionalizar eu já nem sei bem se foi apenas sonho
O tempo e todos os sentimentos que me abraçaram aquele dia
Sei apenas que depois acordou me o pesadelo medonho
E tudo que havíamos partilhado e sentido já não mais existia

Mas se fecho os olhos e me permito apenas sentir e lembrar
Nenhuma realidade antes pôde ser mais forte ou mais real
O castigo é ter como companhia apenas o mero recordar
Como se fosse possível beber veneno sem um resultado fatal

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
Esperando conter todos os sentidos do mundo em um segundo
Sem depois sentir o peso e a ausência do ser distante
Esperando um desfecho melhor que me pudesse mudar o mundo

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
A sorrir com o coração, a vibrar com toda a minha alma
Como se o destino não castigasse sempre quem foi amante
Como se pudesse existir dentro do meu peito depois qualquer calma...

E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante...
E que ingenuidade absurda foi a minha naquele instante.



26 de jun. de 2022

Quem dera...

Quem dera eu soubesse como me despir de todas as ideias que nasceram fora de mim, e que não condizem com meu espírito ou com a verdade do meu peito.

Quem dera eu tivesse a fórmula para descartar todos os valores, os conceitos e os ensinamentos que vieram por interesses distintos daqueles que promovem a minha evolução como ser humano e espírito.

Quem dera eu pudesse enxergar tudo o que reage em mim pelo meu ego ou apego, e assim pudesse descartar cada reação que não seja a do meu coração.

Quem dera eu conseguisse... por mim, e por todos os que me fazem tão enormemente desejar ser melhor e conseguir mais...

Quem dera fosse possível que eu fizesse... por nós

16 de jun. de 2022

Infinito

É o mesmo infinito aquele que dói e aquele que preenche. Aquele que faz o sangue congelar dentro das veias e o que ilumina as noites mais escuras.

É o mesmo infinito aquele em que me perco e que me torna às vezes possível encontrar-me.

É o mesmo infinito. Quem muda sou eu. O que muda é a circunstância. Para onde olha o olhar é que muda.

É o mesmo infinito que me faz crer e que me faz desesperar. Infinito... porque o sentir não conhece fim, limite ou espaço. O mesmo amor que voa alto e onipresente é do mesmo tamanho da dor que sufoca e aterra os sonhos e esperanças.

É o mesmo infinito que habita em todos os sentidos assim como são os mesmos sentimentos a vagar pelo infinito.

A questão é vagar...

3 de jun. de 2022

OldTown Tree


Passaram-se anos, mas às vezes é como se tempo nenhum tivesse se passado e estou novamente em pé, a sustentar nas pernas os sonhos e medos muito maiores que eu, escondida atrás da aba do meu chapéu enquanto rezo em pensamento pela proteção invisível da árvore imensa que nunca cheguei a saber a espécie, mas que tanto me sombreava e amparava. Ou então ainda a gastar as solas dos ténis nas ruas calçadas de Lisboa, sem pensar para onde eu ia, ou se eu saberia como voltar, ou quantas ladeiras ia precisar subir depois.

Passaram-se anos.... mas novamente ainda lá estou. A vantagem é que talvez eu já não precise mais literalmente gastar as solas ou me esconder atrás do chapéu, para me sentir com as solas gastas ou escondida. Já aprendi como fazer. E novamente... lá estou eu.

É quando o coração mais aperta, quando não há mais nenhuma estrada e nem caminho, nem certezas e nem sonhos que justamente podemos escolher realmente e percebermos a essência de quem somos. E com alguma sorte, nos reencontramos a nós mesmos.

É por ter o coração assim apertado que mais decidido ainda estarão os meus passos - não é por não saber para onde caminho que preciso oscilar ou fraquejar das pernas, é justamente o oposto. É justamente por não haver estrada e nem caminho, destino ou parada que mais e mais forte tenho que caminhar. E seguir. E é por não existir qualquer certeza que desde que eu siga, tanto faz.

É por não existirem mais os sonhos que posso finalmente só viver.

30 de mai. de 2022

Descalçar



Talvez, e não sei bem ainda, eu precise começar por me descalçar.

Descalçar mas não os sapatos, que estes já não uso. Preciso me descalçar dos passos que pensei dar. Me descalçar da direção dos pés, dos passos e de qualquer movimento - porque não há passos para dar.

Preciso aproveitar e também me despir. Me despir de todos os planos, de todos os sonhos, por mais sutís, enraizados ou escondidos que estejam... preciso buscá-los, cavá-los, encontrá-los à todos e um a um, para depois despí-los. Que não fique nem sequer o lenço ou a luva, nem a echarpe e nem a meia, que não sobrem brincos, laços ou enfeites de cabelo - é preciso encontrar e retirar tudo.

E depois, preciso limpar-me. Limpar-me de todas as esperanças e de todas as vontades, de todos os sonhos e de todos os desejos, para poder enxergar o que sobrará de mim sem eles. Sem os sapatos, sem as roupas, sem os acessórios...

E as esperanças são acessórios. Às vezes até chegam a ser verdadeiros casacos, botas ou armaduras. Como os sonhos... como os sentidos...

Preciso encontrar onde se escondem, para tirar delicadamente mas com firmeza todos e cada um deles. O que sobrar, o que restar, e só o resto que ficar, serei eu.

E talvez assim, se e quando sobrar só a essência e o vazio de mais nada, sem direção e sem vontade, sem sonho e sem expectativa, sem calor e sem frio, sem cor e sem perfume, sem futuro e sem passado, aí talvez conseguirei ser eu e mais nada - e não pensar... e não querer... e não sentir. Ser. Só.

Talvez só perca o por que.

24 de fev. de 2022

My thoughts are with you. 
If you can come, I can search for a place - my number is the same. Messages here I receive on time

31 de dez. de 2020

2020


 

2020…  que ano! Tudo virou um pouco do avesso, estagnou, parou e nos fez parar. Uma necessidade de adaptação e de reinvenção própria generalizada, de pessoas à empresas, de indivíduos à comunidades inteiras. Reinventar, fortalecer, sobreviver e ultrapassar. 2020, que ano!

E que privilégio imenso fazer parte dele, viver toda essa mudança, fazer parte dela!

Que lição impressionante e incrível o aprender a abster-se, a lutar e ao mesmo tempo, resignar-se, o desenvolver a capacidade de criar e ao mesmo tempo, fortalecer-se.

Claro que ainda é cedo, muito cedo para ver e sentir tudo que 2020 trouxe. Tudo tão custoso e difícil, dolorido, sofrido… sem falar nas perdas imensas e sem retorno, de pessoas, de saúde, de conquistas… Sem dúvida muito se perdeu durante todo este processo, que em 2020, começou. Não nos enganemos, 2020 nos ensinou em meio a outras coisas que claramente já não podemos mais desviar os olhos na esperança que as dificuldades passem, se alguém ainda pensa que sim… devia pensar novamente. Mesmo.

Não nos enganemos, pois. De olhos abertos e consciência desperta, há que saber: 2020 foi o início do processo. Foi a curva na estrada a indicar que o caminho é distinto, que a estrada é outra e que há imensas curvas, túneis, pontes perigosas e ladeiras íngremes e angulosas – mas que leva ao destino que importa. Que leva (e obriga) à interiorizar-se, a encarar as escolhas próprias, a assumir as consequências e a reconhecer que somos nós, única e exclusivamente nós, os “culpados” ou os “heróis” de nossa própria história – e que não podemos ter resultados melhores se não escolhemos fazê-los e construí-los nós mesmos.

Talvez, muito em breve, comecem a surgir outras perceções, como que por exemplo, não basta culpabilizar o governo ou o mundo sobre isto ou aquilo, se não formos nós, individualmente, a escolher diferente. Talvez, também muito em breve, se descubra que embora com muito custo e esforço, podemos alterar completamente o rumo de nossa própria vida e nos descobrirmos a viver de forma muito mais simples e imensamente mais feliz. Talvez, muito mas mesmo muito em breve, se saiba que a maior conquista, a maior satisfação e a felicidade plena estão juntas no mesmo lugar e dependem muito mais daquilo que de bom oferecemos, do que daquilo que queremos ou esperamos receber. Talvez… talvez seja mesmo já, já que 2021 está mesmo a chegar.

Feliz 2021!

11 de out. de 2020

A Casa Vazia

 



1 - Ainda demoras muito por aqui? É que assim não consigo fechar a porta…


2 - Eu gosto da casa vazia, por isso me demoro. Gosto da casa vazia porque preciso gostar, como precisar de precisão e de necessidade, senão dever.


1 – És estranha. Porque alguém gostaria de uma casa vazia?


2 – É por causa do amor que eu guardo. O amor que eu tenho precisa da casa vazia, do silêncio das vozes e do barulho dos pássaros, precisa das janelas abertas e do vento frio a arejar os espaços, do chão sem mobília e das paredes desertas e das portas trancadas com chave, que não deixam ninguém entrar.


1 – (…)


2 - O amor que eu tenho é denso e é pesado, é tão forte que carrega e levanta qualquer peso e qualquer espaço, qualquer dor e qualquer escuridão, é em si mesmo, uma brutalidade, uma violência, um furacão. Exige tanto, absorve tanto, dá tanto e faz tanto, que não cabe em si e nem no outro, é um buraco negro que alimenta-se de si mesmo e mais denso, mais forte, mais infinito em si mesmo, fica…


1 – E chamas isso amor?


2 – Chamo a isso a única forma de amor e de sentir que conheço… Mas eu sei que não cabe em lado nenhum, eu sei que não é aceito, eu sei que é intenso “demais”, mas é assim.


1 – E amas?


2 – Ora, não vês que não se pode? É por isso que eu gosto da casa vazia… por causa do amor que guardo. Aqui, na casa vazia, ele “cabe”.

22 de set. de 2020

26.09

Não vai dar para dar os parabéns, nem para desejar felicidades.
Há quem diga que é muito importante ligar, deixar recado, escrever... Há quem diga que é muito importante "dizer"...
Não concordo. Mais importante que dizer, é sentir. É ser. É fazer. É estar.
Há quem diga sem sentir, há quem sinta sem dizer...
E quantas razões podem haver para não dizer! Quantas! Tantas...
E eu que gostava das palavras, não mais as tenho... perderam o sentido, perderam o por quê... afinal, para quê?
Então só sinto, não é preciso dizer. Nem mais nada... porque nem sempre é possível fazer, realizar, viver. Às vezes há que calar, resignar, conformar, esquecer.
Mas acredito que tudo que se vive fica continuamente a acontecer, quem sabe talvez em um universo paralelo ou em alguma outra dimensão de realidade, há ainda uma repetição, um momento tão eterno que faz ser infinito o instante de um segundo.
E sim, há segundos que são eternos... que tornam-se eternos, mesmo depois que passam, porque não passam.
E sempre se pode voltar no tempo de olhos fechados e visitá-los. Porque é o que há, quando já não pode haver mais nada.
E muita gente já partiu, muita gente já foi, muito tempo já passou no intervalo de um minuto, muita dor que não se curou, muito amor que acabou, muito sonho que sobrou.
Mas alguns momentos são estáticos, eternos, imutáveis.
Algumas pessoas são marcos, são espadas, são palácios. São amor e são tortura, são paraísos e são pesadelos...
Algumas coisas apenas são... dentro daquilo que podem ser.
E nem é preciso dizer...
Porque afinal, mais importante que dizer, é sentir. É ser. É fazer. É estar. Há quem diga sem sentir, há quem sinta sem dizer...
E há quem diga antes, mesmo antes, sem sequer dizer... para na altura, já ter dito sem dizer e fingir esquecimento daquilo que já não se pode dizer... nem se pode mais sentir, e nem nunca se pôde.

5 de ago. de 2020

Mar

Acho que eu nunca tinha escutado o barulho do mar até ontem. Ou melhor... tenho certeza.
Eu nunca tinha escutado o som do mar até ontem... não com todos os meus sentidos.
Precisei esquecer o que eu sabia sobre escutar, para conseguir ouvir. Ou melhor... precisei esquecer tudo que eu sabia, sobre tudo.
E foi sem querer, sem perceber, sem dar por mim que percebi que aquilo que eu estava a ouvir era o barulho do mar. Não, não foi bem assim. Aquilo que eu estava a ouvir com a pele, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com os olhos, era o barulho do mar. Aquilo que eu estava a ouvir com o meu olfato, era o barulho do mar. Assim é que foi. Aquilo que eu estava a ouvir a pulsar no meu corpo, era o barulho do mar.
E só pude ouvir porque eu tinha os ouvidos tapados, impedidos de escutar... porque só escutavam o que meus olhos viam, o que meu olfato sentia, o que minha boca provava, o que minha pele sentia.
Assim, como agora... agora que eu me lembro do barulho do mar de ontem. Como eu me lembro da luz da lua. Como eu me lembro de mim. Era ontem e era 30 anos atrás. Era ontem e era a menina ao pé das escadas ainda na escola. Era ontem e era tudo que eu precisava esquecer, para conseguir me lembrar de quem sou... e finalmente, conseguir escutar o barulho do mar.

24 de dez. de 2019

Reflexões Natalinas


Por vezes me chega uma espécie de silêncio que obriga o tempo e o olhar a parar, mudar o foco para dentro e traz reflexões que eu não esperava.
Quanto mais realista penso que sou, mais descubro ilusões perdidas a naufragar em algum lugar dentro de mim mesma, feito pequenos barcos de salvação que de nada salvam, só se perdem.
Percebo então que dos maiores desafios que me espreitam, está a necessidade de manter o realismo, perder as ilusões, sem entretanto deixar ir a luz e a esperança que confundimos existir devido as ilusões que mantemos, e não, não é nada disso.
Difícil é perder as ilusões, abraçar a realidade e ainda assim, mantermos acesa a luz em nós da gratidão por tudo que há e que pode haver – essa sim é a luz verdadeira, que não se produz de vácuo nem de fantasias, que não se faz de falsas expectativas ou de resquícios de sonhos da criança que já fomos um dia. Mas sim, podemos manter viva a criança em nós, que se contentava e satisfazia pela realidade que sentia e não pela realidade que ansiava. Que desafio!
Que urgência de consciência e amadurecimento é necessária para deixar cair por terra as expectativas e ilusões e alimentar-se da beleza que se conseguir perceber da realidade existente!
Tomar a consciência cortante do que existe agora e é real, sem colorir o que por si só possui a cor que possuir – e satisfazer-se com a cor existente. Tomar assim, dessa forma lúcida e clara, as escolhas possíveis e concretas, baseadas no real e não nos desejos ou esperanças; encontrar o encanto maior dentro das possibilidades existentes de escolhas e alternativas e assumir a responsabilidade por tudo que depende de nós ser feito ou alterado, com a visão límpida e objetiva de que tudo o que sonhamos, fantasiamos e esperamos é apenas projeção e desculpa para nos distanciar daquilo que realmente está em nossas mãos fazer, transformar, realizar.
Que tamanho equilíbrio e lucidez se fazem precisos para diante da verdade, conseguirmos ainda encontrar a chama vital que nos permite iluminar a nós mesmos e todos que temos por perto.
Que tamanha força e coragem temos que ter para verdadeiramente nos olharmos diante do espelho de nós mesmos e sem desculpas, justificações, culpas ou carências, assumirmos a vida que temos e o poder real que temos de transformá-la. E inclusive, perceber que podemos escolher não transformar coisa alguma, mas conscientes de que assim não temos ninguém mais para responsabilizar ou culpar para além de nós mesmos.
Tantas vezes pintei-me com as cores que eu queria ter, poucas foram as vezes que aceitei minhas próprias cores. Que difícil é gostarmos e aceitarmos o que vemos nós, mas como mudar seja o que for, se nem nos vermos com verdade conseguimos?
Para qualquer caminho, para qualquer passo e para qualquer destino que quisermos, há algo que se deve saber inteiramente em primeiro lugar... onde realmente estamos.

10 de dez. de 2019

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Nos vemos, sem nos vermos…
Falamos, sem falarmos…
O ir ver se está, quando não se está…
Picos altos, onde entre um “ir ver” e outro, nem sequer deixa que 5 minutos passem…
Um pensamento contínuo, que por vezes torna-se cortante…
Um passar dos instantes, que intuímos, serão o passar das horas, e dos dias…
Um tentar acalmar o que não se acalma, um tentar deixar passar o que não passa…
Um tentar convencer-se de que não é nada… que não há de ser nada… que o tempo cura, esfria… faz esquecer.
Esquecer o que não se esquece, fingir que se ignora aquilo o que se sabe, fechar os olhos para aquilo que os olhos não conseguem deixar de ver…
Passarão as horas, passarão os dias, passará o tempo. Ainda não passa, ainda segura-se, acorrenta, esmaga, tortura, fere, faz a angústia espremer as artérias, faz a cabeça doer, faz o sono não chegar, faz a irritação querer gritar, faz os passos teimarem em correr…
Ando de um lado para o outro, para onde olhar, se nada mais consigo ver?
Deixo passar o tempo, que não passa…
Tento resignar-me, eu… que não sei o quê isso é…
Tento conformar-me…
Tento acomodar-me…
Tento esquecer…
Tento deixar que o tempo passe, tempo que não passa, que não quero deixar passar, que violento o mais sagrado de mim e de minha alma a tentar deixar que passe…
Então eu paro. Obrigo-me. Que escolha tenho? Nenhuma… … Uma… … deixar que o tempo passe…